sexta-feira, setembro 04, 2009

Fragmentos

Quando eu era criança – e entenda-se bem criança mesmo – o momento da semana que eu mais esperava era o domingo, quando eu ia almoçar na casa dos meus avós e, depois de me empanturrar de macarronada, eu me sentava ao lado do meu avô e ficava a tarde inteira ouvindo as suas histórias.

Ele adorava contar as suas histórias, das coisas que ele tinha feito enquanto era jovem, antes de conhecer a minha avó e, pelo jeito, eu era a única pessoa da família que se interessava por ela pois, assim que ele se sentava em sua espaçosa poltrona, todo mundo arrumava, convenientemente, alguma coisa importante para fazer.

Mas eu não, eu adorava as suas histórias. Histórias sobre a guerra que ele participou, sobre as suas aventuras pelo interior desse país, sobre o tempo que ele abandonou tudo para seguir um circo, trabalhando como equilibrista, enfim, situações que, quando analisadas friamente pareciam fantasiosas e exageradas, era exatamente por isso que elas me fascinavam.

E assim seguiam meus domingos, algumas horas de agradáveis histórias até que meu avô, sentindo o peso da idade, adormecia, muitas vezes no meio de uma narrativa, deixando-me frustrado. E essa era a deixa da minha mãe me pegar e me levar embora.

Essa situação se repetiu por alguns anos, desde que eu me lembro por gente até por volta dos meus sete anos, quando meu avô, no lugar de contar a sua história dominical, me chamou para perto dele e, com uma voz ainda mais baixa que o normal, me disse:

- Meu neto, você pode fazer um favor para o vovô? – assenti com a cabeça, então ele continuou – Vá até o meu quarto, abra meu guarda-roupa e, debaixo de uma pilha de roupas velhas vai encontrar uma pasta de couro velha. Pegue-a e traga até mim.

Fui para pegar o que ele me pediu. Abri a porta antiga e foi fácil perceber uma pilha de camisas e blusas dobradas. Ergui-as com cuidado e lá estava, uma pasta de couro marrom, bem desgastada pelo tempo. Peguei tal e levei-a para a sala, colocando no colo dele. Segurando-a apoiada nas suas pernas, me perguntou:

- Você nunca se perguntou como eu tenho tantas histórias para contar? – para dizer a verdade, nunca, pois naquela idade tais coisas são completamente irrelevantes e lógica, realidade, coerência, verossimilhança, eram palavras e conceitos que eu somente iria conhecer alguns anos após, ao perder a doçura e a inocência da infância.

- Eu vou te contar um segredo, - continuou – um segredo que eu nunca contei para ninguém até hoje e que você precisa me prometer que nunca vai contar para ninguém, você me promete?

Concordei mais uma vez com a cabeça, quando ele me chamou para sentar ao lado dele, na poltrona, se apertando para o lado, liberando um espaço suficiente para que o meu corpo mirrado coubesse.

- O meu grande segredo é esse aqui. – disse, apontando para a pasta – foi ela quem me permitiu viver as maiores aventuras e ter a vida que muitos apenas podem sonhar, mas que, para mim, foi muito real. – Notando a minha expressão de perplexidade, ele começou a ser mais específico.

(...)

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